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“Papa”, “grosso”, “médio”, “fino”. Paraenses, nativos ou de coração, utilizam essas palavras para definir a espessura do açaí batido e indicarem, no ato da compra, o tipo que preferem consumir. Além desse atributo, apreciadores de açaí também avaliam outros quesitos relativos ao sabor e à textura, para validarem a boa qualidade do produto. Mas, as exigências não devem se limitar ao paladar. Na cidade de Cametá, localizada na microrregião do Baixo-Tocantins, uma das que mais se destaca em volume de produção do açaí, a falta de atenção aos critérios de higiene e de boas práticas, bem como a capacitação dos batedores do fruto, estimularam a professora da Universidade do Estado do Pará (Uepa),  Natácia Silva, a desenvolver o projeto Prevenção da doença de Chagas: manipulação higiênico-sanitária e branqueamento do açaí, garantindo a segurança alimentar da população da região do Baixo Tocantins. O projeto é financiado pela Justiça do Estado do Pará – Comarca de Cametá e realizado em parceria com a Vigilância Sanitária.

Doutora em Tecnologia de Alimentos, Natácia Silva, que também coordena o Campus da Uepa em Cametá, define como principal objetivo do projeto “capacitar os manipuladores de açaí da Cidade de Cametá em relação ao branqueamento”, técnica para a retirada das impurezas, insetos e outros resíduos que ficam na superfície do fruto. Assim, “o projeto pretende contribuir também com a melhoria da gestão dos empreendimentos dos produtores locais e com a qualidade do produto ofertado, visando a saúde pública”, explica a professora.

Na primeira etapa do projeto, a equipe, que reúne 15 bolsistas de cursos de graduação e pós-graduação, realizou avaliação dos locais de armazenamento e beneficiamento do açaí em 47 pontos de venda, aplicando uma lista de verificação, baseada na Resolução RDC 275/2002 da ANVISA, que dispõe sobre Boas Práticas de Fabricação e sobre o Regulamento Técnico de Procedimentos Operacionais Padronizados, ambos aplicados aos estabelecimentos produtores e/ou industrializadores de alimentos.

Equipe do projeto faz verificação no ponto de venda
Acervo do projeto

 

Para visitar os pontos de venda na área urbana de Cametá, a equipe conta com o apoio da Vigilância Sanitária, para facilitar a entrada dos pesquisadores aos locais. Desde janeiro de 2012, o órgão estadual estabeleceu, por meio do Decreto nº 326, “regras para cadastramento dos batedores artesanais de açaí e bacaba; padrões para instalações, materiais, máquinas e equipamentos; condições higiênico-sanitárias e boas práticas de processamento”. Essas medidas visam garantir a segurança alimentar dos consumidores, para evitar contaminações microbiológicas causadoras de doenças como a Tripanossomíase americana, conhecida como doença de Chagas, causada por um inseto que pode estar presente entre os grãos do açaí, o barbeiro. Por essa razão, em sua segunda etapa, o projeto coordenado ofertou um curso de capacitação para 40 batedores de açaí da área urbana do município.

Professora Natácia Silva esclarece que esta parceria é essencial, porque “embora os alunos estejam identificados, os batedores ainda têm muito receio, em razão da fiscalização já ter fechado estabelecimentos que não estavam em condições sanitárias adequadas, no ano passado”. Em novembro de 2019, uma ação conjunta entre Promotoria de Cametá, Vigilância Sanitária, Secretaria Municipal de Agricultura, Procon e Polícia Militar interditou 21 estabelecimentos, após a Secretaria Municipal de Saúde ter identificado dez casos confirmados da doença de Chagas, causados por ingestão de açaí contaminado.

Proprietários do Açaí do Alho, no bairro Novo, Aline da Silva e Izaias Alho receberam a visita da equipe de fiscalização, na operação do chamado Dia D. “Naquela ocasião, o nosso ponto foi o único que ficou aberto no bairro. A fiscalização até usou o nosso estabelecimento como exemplo para os outros”, orgulha-se Aline. Quando a fiscalização chegou ao Açaí do Alho, Aline e Izaías já tinham participado do curso de capacitação para manipulação higiênico-sanitária e branqueamento do açaí, realizado na Uepa em Cametá, no âmbito do projeto coordenado pela professora Natácia Silva. Na avaliação da batedora de açaí, “ter participado dessa capacitação ajudou bastante”, porque antes não faziam o branqueamento. “Depois do curso, nós tivemos aumento das vendas, porque ganhamos mais confiança dos clientes e conseguimos a legalização do ponto”, explica Aline. Mas, professora Natácia Silva explica que a realidade do “Açaí do Alho”, não corresponde à da maioria dos pontos de venda da cidade.

A coordenadora do projeto Prevenção da doença de Chagas: Manipulação higiênico-sanitária e branqueamentoafirma que, de acordo com os dados da Vigilância Sanitária, há 186 pontos cadastrados na cidade de Cametá, “mas, no período da safra esse número aumenta muito, porque muitas pessoas abrem pontos informais e nesses casos, os cuidados também diminuem”. Por essa razão, na fase atual do projeto, a equipe tem aproveitado o período mais alto da safra do açaí na região tocantina, entre agosto e novembro, para intensificar as atividades de coleta nos pontos de venda e realizar a avaliação físico-química e nutricional do açaí comercializado em Cametá, além da análise microbiológica e microscópica do produto. A intenção da professora Natácia Silva é que o projeto consiga alcançar todos os batedores de açaí da área urbana do município. “A ideia é que depois de concluir as etapas de análises em laboratório, a gente retorne com os resultados para os batedores de açái e preste consultorias a eles, quando for necessário, para que eles tenham condições de obter o selo de qualidade conferido pelo serviço de Vigilância Sanitária”, enfatiza Natácia.

Para evitar a proliferação da doença de Chagas em seres humanos e garantir a eliminação de microrganismos deterioradores e patogênicos é necessário realizar o tratamento térmico, denominado branqueamento ou pasteurização. Sobre esse processo, a batedora Aline Alho afirma que durante o curso de capacitação promovido pelo projeto realizado na Uepa aprendeu como realizar o branqueamento de forma artesanal: “como muitos pontos não teriam como fazer o investimento em máquinas, eles ensinaram a fazer de modo artesanal. A gente usa balde de plástico; basquetas, esteira artesanal e água quente. A falta de maquinário não é impedimento”. E para demonstrar que além da segurança alimentar e do cuidado com a saúde da população, o projeto também traz benefícios econômicos, o “Açaí do Alho” é apresentado como um caso de sucesso. Izaias Alho compra o açaí às 5h da manhã, em seguida cuida da limpeza. Enquanto Aline bate o fruto, ele parte para as entregas em domicílio, que aumentaram em razão da pandemia. As entregas são realizadas até às 12h e nesse intervalo de tempo, o casal vende entre 80 e 100 litros de açaí por dia. “O movimento tem sido tão bom, que nós tivemos até de contratar um ajudante”, comemora Aline.

Texto: Guaciara Freitas/Ascom Uepa
Fotos: Acervo do projeto/ Uepa Campus XVIII

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