Flávio Migliaccio: a eloquência de uma ausência
ELES NÃO USAM BLACK-TIE GIANFRANCESCO GUARNIERI
Prof. Dr. Elielson Figueiredo UEPA, Dr. Teoria Literária – UFPA, Docente do Departamento de Língua e Literatura (DLLT-UEPA), Membro dos grupos de pesquisa LAEPS (Linguagens Artísticas e Estilos Poéticos) e NARRARES (Estudos sobre Narrativas e Resistência
Circula na internet um breve vídeo que Lima Duarte gravou em homenagem póstuma ao seu amigo e companheiro de aventuras, Flávio Migliaccio. Em seu depoimento, Lima faz uma citação da atmosfera política do país entre os anos de 1955 e 1970 para acentuar a trajetória de uma geração à qual, a julgar pela carta deixada pelo amigo antes de cometer suicídio, o Brasil não soube ser grato. Na carta lê-se o seguinte trecho: “tenho a impressão de que foram 85 anos jogados fora”. A carta e o vídeo expõem a fratura da consciência histórica brasileira, deixamos para trás um projeto de país e de sociedade que, pelos idos de 1955 e até um pouco antes, arrebatou jovens estudantes universitários e operários de São Paulo e Rio de Janeiro. Nesses dois Estados, mais que em outros lugares do Brasil, ganharam visibilidade a originalidade e a força do palco brasileiro, o teatro absorvia as demandas de uma circunstância histórica que carecia de forma estética, de tradução artística. Foi no Teatro Arena que esse projeto tomou forma e caráter, jovens recém-formados pela Escola de Artes Dramáticas de São Paulo foram tomados pela necessidade de dar visibilidade aos que era organicamente brasileiro. Outros jovens, a maioria sem formação cênica, vão se agregando ao Arena movidos pela possibilidade de valerem-se do teatro para romper o silêncio imposto ao Brasil real. Migliaccio tinha aproximadamente 20 anos à época e era um desses artistas de muito gênio e formação em andamento. O Teatro de Arena acontecia com a plateia ao redor do espetáculo, próxima aos atores, o mesmo chão sendo partilhado com o público. Era economicamente possível, já que não requeria arquitetura imponente, e fisicamente acolhedor pela quebra da rigidez . Nomes como Gianfrancesco Guarnieri, Oduvaldo Vianna Filho – o Vianninha – e Augusto Boal integraram a segundo fase do Arena vindos do TPE – Teatro Paulista do Estudante – e assumindo a postura mais experimental do grupo. Em 1958, Guarnieri escreveu e encenou Eles não usam black tie com claro desejo de romper com o formalismo da linguagem cênica do TBC – Teatro brasileiro de Comédia – e avançar em direção a uma escola nacional de novos recursos expressivos. Um dos membros do Arena, o Vianninha, deixará o grupo em 1960 para fundar, junto com outros nomes, o CPC – Centro Popular de Cultura – grupo que depois integrará a base da UNE – União Nacional dos Estudantes – entidade àquela altura fundamental para a maturidade do debate político brasileiro, principalmente durante os anos de ditadura. Para dizer algo mais específico sobre a segunda fase do Teatro de Arena, chamada Fotografia, vale observar alguns momentos de Eles não usam black tie.
O Texto tem três atos e seis quadros igualmente distribuídos entre os atos. Numa favela carioca a vida miúda é movida pelos grandes imperativos políticos experimentados pelo pobre operário: a luta e a consciência de classe de um lado; o individualismo e a alienação de outro. O embate entre as duas concepções de mundo ocorre no íntimo de uma família do morro: pai e filho operários incorporam a divergência ideológica. Criado pelos padrinhos, fora do morro, Tião é movido pelo imediatismo individualista burguês, sua concepção de sucesso e felicidade estão geograficamente ligadas ao bairro do Flamengo e a uma casa de cômodos, seu projeto de vida é ascender a um cargo no escritório, viajar e poder sustentar uma família com mulher e filhos. Os conflitos surgem quando a fábrica onde trabalham Tião e o pai, Otávio, não reajusta os salários e os companheiros começam a articular uma greve. E agora? Seguir na luta ou cuidar dos próprios interesses declarando apoio ao patrão? Contudo, o mais revolucionário do texto não é sua temática, mas sua linguagem. A oralidade dá o tom da composição psicológica das personagens, seu universo afetivo como seu ethos são comunicados numa massa verbal melódica e familiar aos ouvidos do público. Trata-se de descobrir que não se pode afirmar nenhuma arte dramática brasileira negligenciando essa matéria linguística que, no fim de contas, é toda a matéria de que somos feitos. A persistência diária de Romana, a malandragem preguiçosa e oportunista de Chiquinho; a lucidez sindical de Bráulio, tudo isso comunicado como grito de um teatro que experimenta o timbre de sua voz. A expectativa daquela geração era que ouvíssemos sua voz até hoje e a entendêssemos muito bem. É disso e muito mais que Lima Duarte está falando em seu vídeo quando diz que o que ele e Migliaccio viveram, junto com toda aquela comunidade de jovens inquietos, foi uma grande aventura. Lima também fala do silêncio que eles não toleraram e da omissão desta geração que, Lima cita Bertold Brecht, lava as mãos numa bacia de sangue. Nossos velhos artistas esperam que suas aventuras não sejam esquecidas por nós, jovens operários, professores universitários, artistas, brasileiros de modo geral. Faremos dos nossos sonhos particulares algo mais urgente que o protesto pelo direito à vida? Sucumbiremos a uma lógica da indiferença genocida que tripudia da dor do povo brasileiro? Infelizmente, Migliaccio cansou de esperar pela nossa melhor resposta.
Com a Palavra, Arnaldo Antunes
Dica cultural da professora de música da UEPA Jorgete Maria Portal
O documentário Com a Palavra (2018), de Marcelo Machado tem como objeto central o percurso artístico do artista Arnaldo Antunes que apresenta a palavra como seu tema para a criação artística. A palavra será o elemento constituinte para desenvolver a musicalidade concretizada na poesia e na canção, expressões artísticas preferidas pelo artista.
De acordo com a sinopse, o documentário apresenta os trabalhos de destaque na carreira de Arnaldo, ao longo dos anos, e a utilização da PALAVRA em diferentes suportes artísticos (música, vídeo, grafismo, fotografia, expressão corporal) alterando o seu significado. Eu recomendo o documentário pela possibilidade de conhecermos o processo criativo de Arnaldo Antunes e a concretização nas suas obras articulando diversos meios. Ademais, o documentário fornece possibilidades criativas na utilização de suportes disponíveis (vídeo, fotografia, música, grafismo etc.) para a produção de atividades expressivas em Arte. À produção artística se articula outros conteúdos de disciplinas afins para fins educativos estimulando a criatividade, principalmente de crianças, adolescentes e jovens. A partir da minha experiência como docente nas licenciaturas em Música, Letras, Pedagogia e História, com disciplinas que abordam temáticas sobre a Arte e Sociedade, convido docentes e discentes para que assistam ao documentário Com a Palavra sobre Arnaldo Antunes como forma de valorizar nossos artistas nacionais, nossa língua portuguesa e nossa arte brasileira.
Uepa cria hotsite com oficinas e conteúdo gratuito especial durante pandemia
Para fomentar o engajamento e discussão sobre tecnologias educacionais e oferecer oportunidades de conhecimento sobre processos pedagógicos em ambientes digitais, o Núcleo de Educação Continuada e a Distância (NECAD) e a Diretoria do Serviço de Processamento de Dados (DSPD), da Universidade do Estado do Pará (Uepa), criaram um hotsite com conteúdo gratuito e especial, projetado inicialmente a professores da Uepa, mas aberto ao público em geral durante o período de isolamento social. Ler mais